NIETZSCHE

"E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música". "Vida sem música é um equívoco". NIETZSCHE

domingo, 16 de outubro de 2011

CRÔNICA ERRANTE: ROCK' ROLL, CONFLITOS PESSOAIS E 11 DE SETEMBRO DE 2001

Hoje, amanheci com a lembrança de meu velho pai me acordando (desesperado) no dia 11 de setembro de 2001. Ele gritava meu nome, me sacudia, me puxava..., mas eu estava pregado. Ele insistiu até que eu acordasse - entre o sono e o despertar, eu pensava: meu pai não quer acordar seu filho para bater papo furado ou para fazer um passeio matinal ou, sequer, para reclamar de novo da música que eu, insistentemente, ouvia, no último volume, na noite anterior; tinha que ser alguma coisa muito séria.
Lembro-me nitidamente da expressão que se apoderara do rosto de meu pai: algo que tangencia o horror; aquele velho homem estava apavorado. Também pudera, pois ele idolatrava, incondicionalmente, o poder dos americanos; era um apaixonado pela América - lembro-me que se fosse colocado Brasil X Estados Unidos, ele sempre se firmava em favor do último. Quem me conhece sabe muito bem disso, em função dos nomes que eu e um dos meus irmãos carregamos. Meu irmão nasceu em 1964 e eu, em 1968. E o nome que minhã irmã caçula herdaria, não fosse o casamento de certa celebridade americana com um milionário grego. Sim, este episódio impediu que minha irmã levasse o nome desta celebridade. Dados apresentados, não fica difícil adivinhar meu nome e o de meus dois irmãos citados. É risível, mas, também, dramático. Não que eu seja exatamente traumatizado pelo meu nome, mas quando discutia com meu velho pai, eu afirmava que se me fosse dado o poder de escolher, meu nome seria Fidel Castro - só pra fazer raiva nele. 
Depois de tanta insistência, decidi levantar e ver o que realmente tinha acontecido para justificar tamanha apreensão do meu velho. 
Ainda antes, na cama, ele havia falado de um ataque aos EUA. Eu, que estava com sono e mal humorado, retrucara rebeldemente: "bem-feito"! Era o clássico sentimento anti-americano ecoando na expressão amarga de um jovem, cuja rebeldia o impedia de perceber a verdadeira dimensão do que acabara de dizer.
Quando cheguei em frente à tv, fiquei chocado com o que via. Parecia que eu estava assistindo a um filme de ficção. De repente, ocorreu o choque do segundo avião. Naquele momento me dei conta de que a coisa era muito mais séria do que eu e meu pai poderíamos imaginar. Ficamos tácitos e perplexos. Quando dei por mim, já não havia mais aquele clima de divergências políticas entre mim e ele; e ficamos ali, prostrados, diante daquilo que até então era inimaginável. Meu sentidos já não respondiam bem ao meu pensamento parco. Eu me sentia culpado pelo que dissera a ele, ainda na cama, mas logo fui tomado por uma tristeza tão grande, que nada mais importava.
Algum tempo depois, o assunto ecoava nos corredores e salas de aula do CCMN da UFRJ. Os debates já não eram a tragédia em si, mas as consequências na geopolítica mundial. Os núcleos de Geografia Política,  Geografia Econômica e Teoria da Geografia eram unânimes em suas opiniões a respeito do futuro do nosso planeta. Os saudosos professores Cláudio Egler e Paulo Cesar da Costa Gomes já anteciparam teorias, que mais tarde seriam disseminadas por repórteres e especialistas de toda parte, tais como: o 11 de Setembro é o divisor de águas do mundo moderno; o mundo será dividido em antes e depois do 11 de Setembro; o 11 de Setembro funda as novas diretrizes da geopolítica mundial.
Quando eu voltava a ver meu pai, já não falávamos no assunto. Ele tirava as conclusões dele, ouvindo os pronunciamentos de Bush na tv, e eu vivia com minha cabeça rodando, bombardeada com tantas informações oriundas dos "Caixotes do Saber" (como eu costumava me referir à Ilha do Fundão), que geravam cada vez mais inconclusões na minha "caixola". Eu vivia num mundo de debates sobre a legitimidade do terrorismo e sobre a retaliação do governo americano aos professores da Universidade de Harvard, por tentarem exprimir suas opiniões a repeito do terrorismo, que não eram nada favoráveis ao aos EUA. 
Meu querido pai vivia em seu mundo, assimilando tudo que era favorável aos americanos, e descartava quaisquer possibilidades contrárias, sem fazer questionamentos. Era algo quase que religioso, nada abalava sua fé nos americanos. E eu, continuava com os miolos fritando, cada vez mais, em minhas vãs tentativas de tentar entender os motivos daquilo tudo. Com a invasão do Afeganistão já a passos largos, eu me perguntava: se a guerra declarada é legítima, aceitável, por que o terrorismo é tratado como marginal, como terror? E, ao mesmo tempo, ia surgindo a ideia de que eu era um tolo em me preocupar tanto com aquilo tudo, pois o mundo continuaria o mesmo...
Hoje, muito tempo depois, o mundo continua o mesmo. Continuam as guerras e o terrorismo, mas meu velho pai já não faz mais parte do meu mundo. Já não pode ver a que ponto chegamos após tanto tempo; em tempos em que se concluiu que os motivos dos ataques terroristas foram baseados na fatwa declarada em 1998; e que os terroristas gastaram em torno de 500 mil dólares para a realização do ataque; e que mataram mais de 3.000 pessoas. Se ele estivesse aqui, e eu dissesse a ele que só no Afeganistão morreram mais de 30.000, com gastos superiores a 400 bilhões de dólares, e no Iraque, mais de 150.000 mortos, ele diria que os americanos estavam no seu direito, ou coisa do tipo: quem mandou cutucar onça com vara curta? Coisa parecida com o pronunciamento do embaixador americano Ryan Crocker, em Cabul, dez anos após a tragédia: "...Estamos aqui para que nunca haja um outro 11 de Setembro vindo do solo afegão." Diante disso, eu perguntaria pro meu velho pai se ele acha que é legítimo matar mais de 30.000 só pra se previnir...
Hoje, pouco mais de dez anos após essa tragédia, meu pai já não está mais aqui. Já não pode mais reclamar do meu som, do meu rock'n roll que ecoa pelos ares em busca de uma reação dele... Não viveu o bastante para poder debater comigo os saldos desse episódio. Se ele estivesse aqui, eu tenho certeza que ficaríamos novamente tácitos e perplexos, diante do quadro atual, pois a conclusão disso tudo é que a tragédia real não foi o 11 de Setembro; que a verdadeira trajédia perdura até hoje; e é a tragédia humana, da vergonha humana, da intolerância humana; que o saldo é tragicamente negativo, pois já são em torno de 200.000 mortos - independendo se os motivos foram a fatwa, vingança ou prevenção; se os mortos foram americanos, iraquianos, afegãos, estrangeiros, soldados ou civis;  o fato é que eram todos humanos e inocentes, pois os culpados foram os que engendraram tudo isso, os "senhores da guerra" que assistem tudo à distância. 
Hoje, quando acordei, coloquei aquela música - imaginando a voz de meu pai reclamando -, aquela que eu ouvia no último volume, na noite anterior ao 11 de Setembro: Masters of War, de Bob Dylan, na solene interpretação de Eddie Vedder.


Masters of War


SENHORES DA GUERRA

Venham seus senhores da guerra
Vocês que constroem as grandes armas
Vocês que constroem os aeroplanos da morte
Vocês que constroem todas as bombas
Vocês que se escondem atrás das paredes
Vocês que se escondem atrás das mesas
Eu só quero que vocês saibam
Que eu enxergo através de suas máscaras


Você que nunca fez nada
A não ser criar para a destruição
Você brinca com meu mundo
Como se fosse seu pequeno brinquedo
Você coloca uma arma em minha mão
E se esconde da minha vista
E se vira e corre longe
Quando as rajadas de balas voam


Como um Judas do passado
Você mente e engana
Uma guerra mundial pode ser vencida
Você quer que eu acredite
Mas eu enxergo através de seus olhos
E eu enxergo através de sua mente
Como enxergo através da água
Que escorre pelo meu ralo


Vocês aprontam os gatilhos
Para os outros atirar
Então vocês se afastam e assistem
Enquanto a contagem dos mortos aumenta
Vocês se escondem em suas mansões
Enquanto o sangue dos jovens
Escorre pelos seus corpos
E são enterrados na lama


Vocês jogaram o pior dos medos
Que possa ser lançado
Medo de trazer crianças
Para o mundo
Por ameaçarem meu filho
Ainda por nascer e sem nome
Vocês não valem o sangue
Que corre pelas suas veias


O quanto que eu sei
Para falar fora de hora?
Você pode dizer que sou jovem
Você pode dizer que sou inculto
Mas há uma coisa que eu sei
Embora eu seja mais novo que você
Nem Jesus jamais poderia
Perdoar o que você faz


Deixa eu te fazer uma pergunta
Será que seu dinheiro é mesmo tão forte?
Poderia comprar seu perdão?
Você acredita que pode?
Acho que irá descobrir
Quando sua morte te encontrar
Que todo o dinheiro do mundo
Não comprará de volta sua alma


E eu espero que você morra
E sua morte logo virá
Seguirei seu caixão
Na tarde pálida
E assistirei enquanto eles lhe abaixam
Para seu leito de morte
E ficarei de pé sob seu túmulo
Até ter certeza que estará morto



4 comentários:

Mister Garden disse...

Obrigado Fausto pela emocionante crônica da vida real.

Abs,

faustodevil disse...

Saudações Mister Garden,

Que bom ter você por aqui, meu amigo!
Te agradeço pela participação e pela atenção.
Imaginei que ninguém teria saco para ouvir minhas baboseiras, e, muito menos, para comentá-las. Muito obrigado mesmo.

Forte abraço!

Faustodevil

Cláudio disse...

Sim, meu amigo.

Lembro-me de você comentar tudo isso que tinha ocorrido. E imagino a expressão de seu pai, americanista até a alma.
Se aquele episódio marcou algo, foi o início do declínio econômico daquele país.
E o pior é que acho que sentiremos falta dos americanos quando a China finalmente emergir à condição de maior nação mundial.

faustodevil disse...

Saudações, meu grande amigo,

Você tem toda razão quanto aos chineses. E o pior é que eles pensam da mesma forma ou pior que os americanos, em relação aos outros países. Eles costumam dizer: "somos nós e a periferia", quando se referem ao resto do mundo. É amedrontador.

Um grande abraço!!
Apareça mais vezes.

Faustodevil