NIETZSCHE

"E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música". "Vida sem música é um equívoco". NIETZSCHE

domingo, 18 de abril de 2010

GIBRAN-O COVEIRO






O Coveiro

No Vale das Trevas da vida, pavimentado com ossos e caveiras, andava eu sozinho numa noite em que as nuvens escondiam as estrelas e o terror enchia o silêncio.
Lá, na margem do rio de sangue e lágrimas que serpenteia como as cobras e corre como os sonhos dos criminosos, parei, os olhos fitos no vácuo, para escutar o murmúrio dos espíritos.
Quando soou a meia noite e as procissões das almas começaram a sair dos seus esconderijos, ouvi passos pesados se aproximarem de mim. Virei a cabeça, e vi um fantasma gigante de pé na minha frente. Gritei, terrificado: "Que queres de mim?"
A sombra me fixou com dois olhos incandescentes, feitos tochas, e respondeu vagarosamente: "Não quero nada, e quero tudo."
Retruquei: "Deixa-me em paz e prossegue no teu caminho."
Respondeu, sorrindo: "Meu caminho é teu caminho. Ando quando andas, e paro quando paras."
Disse: "Vim aqui à procura de solidão. Não perturbes minha solidão."
Retrucou: "Eu sou a própria solidão. Por que me temes?"
Respondi: "Não te temo."
Disse: "Por que então tremes, qual vergôntea na tempestade?"
Respondi: "O vento agita minha roupa. Mas não estou tremendo."
Soltou uma gargalhada, ruidosa como o vendaval, e disse: "És apenas um covarde: temes-me, e temes de me temer. E procuras esconder teu medo atrás de um véu mais frágil do que uma teia de aranha. Tu me divertes e irritas ao mesmo tempo."
Disse isto e sentou-se numa pedra. Sentei-me também, mau grado meu, e comecei a contemplar seus traços altivos.
Após um momento, que me pareceu mil anos, olhou-me com ironia e perguntou: "Qual o teu nome?"


_ Meu nome é Servo de Deus.
Retrucou: "Quantos se dizem servos de Deus! E só servem de embaraços a Deus. Por que não te chamas: 'Amo dos Diabos', e acrescentas assim nova desgraça às desgraças dos demônios?"
Respondi: "Meu nome é Servo de Deus. Gosto dele, pois foi-me dado por meu pai quando nasci. E não o substituirei por nenhum outro."
Disse: "A infelicidade dos filhos está no que recebem dos pais. Quem não renuncia ao legado de seus pais e avós, será escravo dos mortos até que se torne um morto por sua vez."
Inclinei a cabeça e meditei. E parecia-me rever sonhos parecidos com suas palavras.
Voltou a interrogar-me: "Qual é a tua profissão?"
Respondi: "Sou poeta e escritor. Tenho sobre a vida opiniões que comunico aos homens."
Retrucou: "Que profissão obsoleta e superada! Nem beneficia nem prejudica os homens."
Perguntei: "E como empregarei meus dias e noites para beneficiar os homens?"
Respondeu: "Faze-te coveiro para livrar os vivos dos cadáveres que se amontoam em volta de suas moradas e tribunais e templos."
Disse: "Não vi nenhum cadáver abandonado por aí."
Retrucou: "Tu olhas com os olhos da ilusão. Ao ver os homens se agitarem na tempestade, pensas que vivem, quando na realidade estão mortos desde que nasceram. Mas não houve quem os enterrasse, e ficaram sobre a terra a exalar podridão."
O medo começava a abandonar-me. Perguntei: "Como distinguirei os vivos dos mortos, já que todos se agitam na tempestade?"
Respondeu: "O morto se agita na tempestade; mas o vivo corre com ela e só para quando ela para."


Reclinou-se sobre seu braço e vi seus músculos poderosos, tecidos como as raízes de um carvalho. Depois, perguntou-me: "És casado?"
_ Sim, respondi, e minha mulher é formosa; e estou apaixonado por ela.
Retrucou: "Quantos crimes e malefícios tens cometido!... O casamento é submissão do homem à força do hábito. Se quiseres libertar-te, divorcia-te de tua mulher e vive sem laços."
Disse: "Mas tenho três filhos, o maior dos quais brinca com bola, e o menor ainda balbucia as palavras. Que farei deles?"
Respondeu: "Ensina-lhes a cavar túmulos e dá-lhes pás e deixa-os a si mesmos."
Disse: "Não suporto viver só. Habituei-me a gozar a vida com minha mulher e filhos. Se os abandonar, a felicidade me abandonará."
Retrucou: "O homem que vive com sua mulher e filhos, vive numa negra infelicidade, mas camufla-a com pintura branca. Se achas indispensável casar-te, casa-te com uma fada."
Disse, surpreendido: "As fadas não existem. Por que me enganas?"
Respondeu: "Como és tolo! Só as fadas existem realmente. É fora do mundo das fadas que imperam a dúvida e o equívoco."
Perguntei: "As filhas das fadas são bonitas?"
Respondeu: "Sua beleza não esmaece, e sua graça é eterna."
Disse: "Mostra-me uma delas para que acredite."
Respondeu: "Se pudesses ver e tocar as fadas, não teria aconselhado casar-te com uma delas."
_ E que utilidade tem para mim uma esposa que não posso nem ver nem tocar?
Respondeu: "A utilidade não é tua, mas de todos. Pois, com tal casamento, desaparecerão, pouco a pouco, as criaturinhas que se agitam na tempestade e não andam com ela."
Virou a cabeça; depois, perguntou: "E qual é a tua religião?"
Respondi: "Acredito em Deus e honro seus profetas e amo a virtude e espero pela vida eterna."


Disse: "Essas são fórmulas que as gerações passadas têm repisado e que a imitação depositou nos teus lábios. Na realidade, tu só crês em ti mesmo e só honras a ti mesmo e só esperas por tua própria imortalidade. Desde o começo, o homem adora seu próprio ego, mas lhe empresta diversos nomes, conforme suas inclinações e aspirações, chamando-lhe ora Baal e ora Júpiter e ora Deus."
E desatou a rir ironicamente, dizendo: "O mais estranho é que só adoram seus egos, aqueles cujos egos são cadáveres pútridos."
Meditei um minuto nestas palavras mais estranhas do que a vida e mais terríveis do que a morte e mais profundas do que a verdade. E senti o desejo incontrolável de descobrir os segredos deste ser extraordinário. Gritei-lhe: "Se acreditas em Deus, conjuro-te por Ele, dize-me: quem és tu?"
Respondeu: "Eu sou meu próprio Deus."
_ Qual é o teu nome?
_ O Deus Louco.
_ Onde nasceste?
_ Em toda parte.
_ Quando nasceste?
_ Em todas as épocas
_ E quem te revelou a sabedoria e os segredos da Vida?
_ Eu não sou um sábio. A sabedoria é a fraqueza dos homens fracos. Eu sou um louco. Quando ando, a terra treme sob meus passos; e quando paro, todas as estrelas param. Aprendi dos demônios a zombar dos homens. E descobri os segredos da existência e da não-existência após frequentar os reis das fadas e os gigantes da noite.
Perguntei: "E que fazes nestes vales escarpados? E como passas teus dias e noites?"




Respondeu: "Pela manhã, amaldiçoo o sol; ao meio dia, amaldiçoo a Humanidade; à tarde, zombo da Natureza; e, à noite, ajoelho-me diante de mim mesmo e me adoro."
Perguntei-lhe: "E que comes e bebes, e onde dormes?"
Respondeu: "Eu, o tempo e o mar nunca dormimos. Nutrimo-nos da carne e do sangue dos homens. E perfumemo-nos com seu hálito."
Levantou-se e cruzou os braços sobre o peito. Depois, fixou-me nos olhos e disse com voz profunda e tranquila: "Até à vista. Já me vou para onde se reúnem os colossos e os gigantes."
Gritei: "Espera, por favor. Tenho mais uma pergunta a te fazer."
Mas ele já estava meio escondido na neblina, e ouvi-o dizer: "Os deuses enlouquecidos não esperam por ninguém. Até à vista."
E logo desapareceu nas trevas, deixando-me atônito e temeroso.
Nos rochedos altos, o eco repetia suas palavras: "Até à vista. Até à vista."
No dia seguinte, divorciei-me de minha mulher e casei-me com uma fada. Depois, dei a cada um dos meus filhos uma pá e uma picareta, e disse-lhes: Partam. E, cada vez que virem um morto, enterrem-no."
E desde então, eu só cavo túmulos, e enterro os mortos. Mas os mortos são muitos, e eu sou sozinho, e ninguém me ajuda.


CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL-CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL-USA 1968


O final da década de 1960 foi realmente um período singular na história do rock'n roll. O final de uma era de ouro em que a criatividade pairava no ar. A ousadia era pressuposto básico para os lançamentos dos primeiros e magníficos álbuns das mais importantes bandas do gênero.
O Creedence Clearwater Revival é, sem sombra de dúvida, uma dessas importantes bandas. Com estilo vocal marcante, pegada de bateria fortíssima e guitarra excepcional, o grupo acertou em cheio, culminando em uma farta coleção de clássicos do rock'n roll.
Este é o primeiro álbum, homônimo, que foi o pontapé inicial na carreira desta banda. I put a spell on you (Jalacy Hawkins) tornou-se um grande clássico com esta versão do Creedence. Seguindo uma linha extremamente melódica e viajante, é um som arrebatador em toda sua extensão, cujo ápice se dá com a virtuosidade do vocal e, principalmente, da guitarra alucinante.


01_ Put A Spell On You


MÚSICOS:


Doug Clifford: Bass, Drums
Stu Cook: Bass, Drums
John Fogerty: Guitar, Composer, Vocals
Tom Fogerty: Guitar, Guitar (Rhythm), Vocals

MÚSICAS:

01 - I Put a Spell on You - Hawkins - 4:33
02 - The Working Man - Fogerty - 3:04
03 - Suzie Q - Broadwater, Hawkins, Lewis - 8:37
04 - Ninety-Nine and a Half (Won't Do) - Cropper, Floyd, Pickett - 3:39
05 - Get Down Woman - Fogerty - 3:09
06 - Porterville - Fogerty - 2:24
07 - Gloomy - Fogerty - 3:51
08 - Walking on the Water - Fogerty, Fogerty - 4:40

Bonus Tracks

09. Call It Pretending - 2:09
10. Before You Accuse Me (68 outtake) - 3:24
11. Ninety-Nine And a Half (Live) - 3:47
12. Susie Q (Live) - 11:47

LINK:

MARTINHO DA VILA, TOM MAIOR

Como se pode rimar melodia com a percepção sensitiva máxima de um ser?
Talvez encontremos resposta em tantas melodias concebidas por Chico Buarque; talvez o máximo da melodia se dê em Roda Viva e Quem Te Viu E Quem Te vê e em tantas outras. Chico transcende a arte.
Uma grande inspiração levou Martinho da Vila a compor esta pérola. Foi, talvez, um momento "buarqueano" que passou por ele (espero que ele tenha isso como um elogio). Coisa linda! Coisa rara! O máximo que se pode ter em uma melodia.